OS OLHOS “CONDESCENDENTES” DO SENADOR (1) *Ivan Veronesi Quero “fazer coro” às assertivas do excelente artigo publicado na Revista Consultor Jurídico publicado no de 25 de maio de 2012 da Dra. Cleide Regina F. Pompermaier, digníssima Procuradora do município de Blumenau, que não tem medido esforços para provar que os municípios brasileiros sofrem de inanição financeira também por outros sérios motivos, e não só os alegados pelo Senador Cassildo Maldaner, emérito representante do Estado de Santa Catarina, nos termos da claudicante NOTA INFORMATIVA Nº 1.765, DE 2011, referente à SCT nº 2011 – 05322 que versa sobre cobrança de tributos municipais, em que avaliza as colocações de seu Consultor Legislativo ROBERTO BARBOSA DE CASTRO, como se transcreve uma parte abaixo “sic”: Em primeiro lugar, o artigo ignora a realidade da imensa maioria das comunas
brasileiras, organizadas como micromunicípios com baixíssima geração de renda
(...) (...) Com muita probabilidade, um rápido exame das estatísticas pertinentes revelará que seria antieconômico manter, quem sabe em pelo menos sessenta por cento dos municípios brasileiros, uma carreira com vários auditores remunerados, como ela defende, com salário compatível com o cargo, tendo como limite o subsídio do Prefeito. Ademais, a autora imagina que tais servidores deveriam ter nível superior, ignorando que cidadãos com essa característica são raros no vasto interior brasileiro, e supõe, com boa dose de otimismo, que esses auditores agiriam com altiva independência em face do poder político municipal, até porque seriam recrutados e preparados com o mesmo rigor dos auditores da Receita Federal (...). (...) Na
página 3, a autora consegue retirar do inciso XVIII do art. 37 da
Constituição (a administração fazendária e seus servidores fiscais terão,
dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais
setores administrativos, na forma da lei) a conclusão de que os Municípios
estão obrigados à melhora na qualidade do sistema tributário local: não é uma
liberalidade, mas uma obrigação (...) (...) Por outro lado, é, no mínimo, precipitada a tese de que somente o Auditor Fiscal pode lançar tributo e que, por isso, somente Auditor Fiscal (...). Na verdade, quem ignora a
realidade da imensa maioria dos municípios brasileiros são os quem ficam
transitando em tapetes vermelhos, sentindo o frescor do ar condicionado e o
conforto dos Gabinetes de Brasília. Os que conhecem bem as entranhas das
comunas deste “GIGANTinho” ainda adormecido, como eu que já ministrou
inúmeros cursos de treinamento de administração tributária (2) e tributos
municípios e sentiu de perto os inúmeros problemas operacionais dos
municípios sabe que não é bem assim! Qualquer município por menor que seja
tem potencialidade tributária bem acima do que normalmente arrecada. Isso
posso provar através de inúmeros estudos e planilha estatísticas que fiz do
desempenho da arrecadação dos principais tributos de pequenos municípios e
experiência diretas em minhas assessorias. Já “os técnicos” do BNDES em longo
trabalho técnico/estatístico de gabinete afirmaram (3) que todas as
Prefeituras do país arrecadam o ISS. Arrecadar todos arrecadam, bem ou mal,
até porque muitos usuários não tem como deixar de exigir Nota Fiscal de
Prestação de Serviços. Todavia, os recolhimentos na maioria dos municípios brasileiros
são feitos por espontaneidade de seus contribuintes, como é sabido, já que é
rara a “revisão periódica” dos últimos cinco anos como se faz, p. ex., no
município onde exerci o cargo de Auditor Fiscal de Tributos até minha
aposentadoria. Por oportuno, devo citar que é
o setor terciário o que mais cresce no país, considerando a soma do PIB do
comércio e da prestação de serviços nos termos da LC 116/2003 que relaciona
as atividades tributáveis. A bem da verdade, a “realidade
da imensa maioria das comunas brasileiras, organizadas como micromunicípios
com baixíssima geração de renda” como o digníssimo Senador mesmo avaliza e
qualifica são provocadas pelo imobilismo, comodismo e/ou interesse
eleitoreiro dos prefeitos brasileiros. E vou muito além! É comuníssimo
encontrar municípios que não chegam arrecadar 1/3 (um terço) de sua
potencialidade em face da sonegação, evasão e informalidade. Na maioria dos
“micromunicípios” como qualifica o emérito Senador é raro encontrar alguns
que tenham uma estrutura TAF (tributação, arrecadação e fiscalização)
organizada e dinâmica. Deparei com inúmeras “ações fiscais” nas quais o
correto rito processual-fiscal era rotineiramente desobedecido. E porque
disso? Por que não existe pessoal qualificado à altura das necessidades
complexas que a área exige. Quaisquer autuações que não obedece a um correto
rito do processo fiscal é um “prato cheio” para quaisquer Advogados
derrubá-las minimamente preparados. A boa arrecadação nos micromunicípios só
se dá quando existem grandes investimentos estatais ou privados, como é o
caso de Carmópolis (SE), Niquelândia (GO), Camaçari (BA); os municípios
lindeiros do lago da Itaipu Binacional; os que têm trechos de rodovias adagiadas e muitos outros que refletem na arrecadação do ISS do município,
sendo os recolhimentos feitos por “substituição tributária”. Por oportuno, vale muito contar
esta passagem na minha vida profissional. Em 1996, através do Chefe do Setor
de Tributação e Arrecadação de um município litorâneo do Paraná que
participou de um dos meus cursos fui convidado a ir até a sua cidade e fazer
um estudo e diagnóstico do desempenho da área TAF, já que a arrecadação na
passava dos R$ 13 mil por mês. Em lá chegando, de plano “senti no ar” a
presença da ineficácia. Falta de servidores; os presentes despreparados;
ausência total de controles informatizados; Cadastro Econômico e Fiscal falho
(inadequado) e desatualizado e duas agências bancárias que não recolhiam em
média até R$ 300 (trezentos) reais/mês. Em entrevista com o Secretário, “irmão
do Prefeito” (4), o mesmo afirmou-me que seria debalde insistir nos trabalhos
por que a cidade era economicamente fraca. Mesmo assim insisti nos
trabalhos e em apenas dois dias já tinha o diagnóstico certo. Só em
profissionais autônomos a Taxa média fixa, bem menor que as das cidades
vizinhas, chegava a uma arrecadação de R$ 15 mil e o total da arrecadação era
por volta de R$ 60 mil/mês. Não satisfeito, saí com o Secretário de Fazenda e
mostrei inúmeras obras de construção civil que não eram tributadas, de
escritórios e clinicas que não estavam cadastradas. Assim sendo, o Secretário
convenceu-se de minhas assertivas, todavia, naquela gestão nenhuma
providência tomou. Passaram-se os anos; as rodovias que atravessam o referido
município foram melhoradas e pedagiadas. Em face disso, a arrecadação, por
“substituição tributária”, aumentou substancialmente, sendo hoje por volta de
R$ 2.800 milhões. Quanto aos Recursos Humanos, é importante frisar que estes
municípios raramente fazem concursos adequados para a área tributária que
costumo denomina-la de TAF sobre a qual também a maioria dos municípios
brasileiros mantém-na completamente desmantelada. E quando o fazem acham que
a Auditoria Fiscal pode ser satisfatoriamente exercida por concursados
testados em nível médio, quando os mesmos têm que trabalhar cotidianamente
com noções dos ramos do Direito, de Processo Fiscal, da Contabilidade, da
Redação Processual, de Estatística e etc. Só uns poucos municípios populosos
do interior, os balneários, estâncias hidrominerais e de algumas capitais
conseguem ter uma arrecadação um pouco maior, todavia nem sempre compatíveis
com suas potencialidades, isto porque os contadores ajustam à receita anual
do contribuinte aos custos totais. Só quem está envolvido com a Administração
Tributária Municipal percebe que a arrecadação do ISS sobe na mesma proporção
da inflação, nunca em função do desempenho da fiscalização, nem tampouco da
externa, pois estas inexistem na quase totalidade dos pequenos municípios
brasileiros. A RMC (Região Metropolitana de
Curitiba), p. ex., possui atualmente 29 (vinte e nove) municípios, todos com
a arrecadação do ISS abaixo de suas potencialidades, inclusive a capital
(Curitiba) hoje com uma estrutura operacional e pessoal aquém das
necessidades, já há muito poderia estar arrecadando mais de um bilhão de
reais, no entanto, teve sua previsão para 2013 de R$ 985 milhões de reais,
mas arrecadou só R$ 901 milhões (5), portanto, a média por hab/ano de 2011 a
2013 cresceu sofrivelmente (901: 1.849 = R$ 487,29 hab/ano) em relação aos
anos anteriores. Apenas para registrar: 2012 R$ 823 – pop. 1.777 – média
hab/ano = R$ 463,14 hab/ano; 2011 R$ 710 milhões – pop. 1.752 – media hab/ano
= R$ 405,25. A cidade onde o subscritor deste artigo reside, uma das mais populosas
(227 mil/hab.) da RMC (6) que deveria ter arrecadado em 2009 por volta de R$
16.300 (dezesseis milhões e trezentos mil reais) arrecadou apenas R$ 8.065
(oito milhões e sessenta e cinco mil reais) (7); esta cidade que comporta no
mínimo 10 (dez) AFTMs (8) em campo não possui nenhum, embora tenha feito no
passado concurso para uma vaga em nível superior de Agente Fiscal e até hoje
não foi empossado. Os que trabalham internamente em fase de aposentadoria não
são concursados em nível superior. Outro exemplo da mesma RMC é o caso de
Campo Magro com 26.755 hab. (IBGE/2013) arrecadou em 2009 R$ 1.069 (um
milhão...)(9), quando poderia ter arrecadado por volta de R$ 1.570 (um
milhão, quinhentos...). Mais um exemplo da RMC: o município de Campo Largo
com 121 mil hab. (IBGE/2013) arrecadou de ISS em 2009 R$ 7.089 (10), quando
poderia ter arrecadado R$ 11.700 (onze milhões e setecentos reais).
Lamentavelmente os dados/informações numérico/estatísticas do IBGE são de
2009, já que os outros anos não estão disponíveis no seu “site” por falta de
colaboração dos municípios. O importante a observar é que a
reestruturação e modernização da área TAF dos municípios, inclusive com
possibilidade de financiamento através de créditos subsidiados (11) do
Programa Nacional de Apoio à Modernização Administrativa e Fiscal – PNAFM
(12) da Caixa Econômica Federal, não chega ao custo de 20% (vinte) por cento
da diferença do aumento da arrecadação. É claro que para obter o
financiamento do PNAFM os municípios precisarão de um projeto bem elaborado e
fundamentado, se não a linha de crédito será negada. Com relação à
remuneração compatível ao cargo é possível, sim Senhor Senador! Os Auditores
Fiscais de Tributos Municipais das Capitais e cidades de bom porte tem
remuneração entre R$ 8.000,00 a R$ 15.000,00 não porque estão atrelados à
remuneração dos Prefeitos, mas por que tem maior potencialidade de
arrecadação em face do acúmulo de maiores empresas prestadoras de serviços e
com isso maior Gratificação de Produtividade Fiscal (GPF). Todavia, as
pequenas municipalidades (e são milhares...) que consigam aumentar a
arrecadação de R$ 1.000 (um milhão) para R$ 1.500 (um milhão e quinhentos
mil) no ano, podem com a diferença pagar perfeitamente R$ 5.000 (cinco mil
reais) de vencimentos para um ou dois AFTMs. Se for apenas um o custo será
anual de R$ 60.000 (sessenta mil) e dois 120.000 (cento e vinte mil),
restando uma diferença razoável em favor do Orçamento Municipal. Para
reestruturar e dinamizar a área TAF de um município é preciso autêntica vontade,
além de pessoal de escol pós-graduado na área, mesmo que tenha que ir buscar
nos grandes centros através de atrativos financeiros. Já com relação ao esforço para
a melhoria da qualidade dos serviços produzidos pela área tributária em
qualquer município brasileiro além de ser um avanço (13), também é uma
obrigação legal, sim Senhores! Em especial em respeito aos contribuintes
corretos que precisam e merecem e, quanto aos sonegadores e fraudadores da
Fazenda municipal, estes não terão razão para reclamar, nem com beneplácito
de seus protetores. Somente o Auditor Fiscal de
Tributos que ingressa exclusivamente mediante concurso público, mesmo
nas municipalidades, por vários fundamentos, é o servidor com poderes para
assinar todos os documentos relativos à constituição do crédito tributário
nos termos do artigo 142 do CTN. Por isso, a absoluta necessidade de
uma Lei especial (abrangente) regulamentadora da carreira nos termos da Carta
Magna. Os servidores
comissionados, inclusive os Agentes Políticos (Prefeitos e Secretários) não
podem porque, além de envolvidos com as tendências eleitorais, são também
temporários; os extra-quadros são totalmente incompetentes e estão em desvio
de função. Precisa fundamentar mais?! Os legisladores sérios (constituintes e congressuais) vêm produzindo leis inflexíveis nesse campo, sem margem de interpretações indevidas, visando uma senda evolutiva da Administração Pública brasileira, todavia a mesma tem sido vilipendiada por mentes que acham que o Estado é de sua propriedade. ______________________________________________________________________________ (1) Será que todo o Senado pensa da mesma maneira? (2) Não confundir Administração Tributária Municipal com Direito
Tributário Municipal; (3) Ver em: AMORI, Érika e OLIVEIRA, Paulo André.
Tributação Municipal: desigualdades de carga tributária local {On-line}.
Disponível: http://www.federativo.bndes.gov.br (08.06.2000). (4) O nepotismo é o maior câncer das municipalidades
brasileiras. (5)Ver em http://www.curitiba.pr.gov.br/multimidia/contaspublicas/2013/06/Anexo_3_613_rcl.pdf (6) Região Metropolitana de
Curitiba; (7)Ver em:
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=410580&idtema= 71&search=parana|colombo|financas-publicas-2009 (8) Auditor Fiscal de Tributos Municipais (9) http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=410425&idtema=71&search
=parana|campo-magro|financas-publicas-2009 (11) Ver art. 64, § 1º e 2º da LRF (LC 101/2000) (12) http://www1.caixa.gov.br/gov/gov_comercial/municipal/modernizacao_gestao_publica/pnafm/ (13) Se não quisermos retroceder à republiqueta de 5º mundo. (14) Os sublinhados no texto em destaque não são do original. *Ivan Veronesi é tributarista, contador,
Administrador, sociólogo, pós-graduado em Administração Pública; professor
licenciado e Auditor Fiscal de Tributos aposentados. As opiniões emitidas pelo autor são de sua
inteira responsabilidade. |
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