O PRINCÍPIO DA UNIDADE COMANDO
A
busca constante do conhecimento e de seu respectivo aperfeiçoamento é uma aspiração do homem enquanto ser inteligente e racional. Assim sendo, quem fez um curso superior de administração de forma
competente e honesta sabe existir um princípio contido nesta ciência na
disciplina da Administração de Pessoal (hoje conhecida como de recursos
humanos) que estabelece que todo cargo ou função estão envolvidos por suas
responsabilidades e complexidade. Decorre deste princípio também que os cargos
ou funções devem ser remunerados nesta medida, ou seja, quanto mais intensos
forem aqueles dois componentes, maior remuneração deve compensar seus
detentores.
Portanto,
as outras ciências, quando necessário, devem se basear neste princípio para
apurar até que ponto a autoridade máxima de uma área tem suas
responsabilidades em conexão que a comprometa.
Por
este princípio também, no caso de crimes contra a Administração Pública, quando
um de seus agentes ou administradores o pratica, toda a hierarquia superior,
mesmo que não ligada diretamente tem seu grau de comprometimento.
O
citado princípio entende que a responsabilidade do Chefe ou do Comando Geral
está explícita e/ou implícita, pois nada pode acontecer em sua área de
subordinação que o mandatário maior não deva conhecer ou se envolver.
Por
isto, o Direito Criminal ao tratar de um ato ou fato que se configure crime contra
a Administração Pública deve considerar o “principio da unidade de comando” e
jamais “excluir de plano” uma chefia ou direção no envolvimento em delitos
praticados, sem uma investigação mais acurada.
A
Justiça brasileira é uma das poucas no mundo que, às vezes, sem maiores
problemas, separa as responsabilidades de chefias e chefiados, como se cargos,
funções e responsabilidades dos mesmos fossem autônomas e independentes.
Se
esta for a assertiva como regra geral, nosso país deve continuar sendo um paraíso
para o “crime organizado” na Administração Pública praticados em cadeia
hierárquica associada entre direção e direcionados.
E
se assim persistir, os mandatários máximos de empresas estatais ou órgãos
públicos continuarão impunes ao “fechar os olhos” para que seus subordinados
possam locupletar-se com o dinheiro do erário público, vez que posteriormente
àqueles os defenderiam na “Justiça” com o produto dos recursos divididos.
Fácil,
não! E porque nossa Justiça não faz a imputabilidade de mandantes e
mandatários? Porque será? Será porque a cumplicidade entre chefias e
subordinados é muito grande? Ou porque nossos dignos magistrados consideram que
“causa e efeito” nestes casos têm natureza distinta e que os princípios de
outras ciências não valem para nada.
Tenho
visto na imprensa muitos casos em que o próprio Poder Judiciário tenta excluir,
sem a necessária investigação, por cumplicidade, omissão e/ou responsabilidade
solidária ou subsidiária, alguns supostos envolvidos. A investigação de que nos
referimos deve ser feita através da Controladoria Interna do município, do “controle
externo” dos Tribunais de Contas do Estado (TCE) e da União (TCU) e da
Controladoria Geral da União (CGU),
cujos dados/informações podem acessados a
partir da contabilidade e/ou de atos e fatos nos controles administrativos.
Portanto, existem situações que só se
pode esclarecer mediante uma “auditagem” diretamente na fonte e através de um
relatório circunstanciado do Auditor. Por exemplo, se um Administrador Público
precisa saber se a gestão de um período de uma Autarquia sob seu comando fluiu
com regularidade e em que detalhes ela se deu, só através de uma auditoria o
mesmo obterá uma eficaz resposta. No entanto, para saber quem foi o responsável
pela operação é só buscar os documentos que comprove quem era o diretor (ou
chefe) da área naquele período. A alegação de uma autoridade pública de que
desconhece um ato ou fato irregular só terá relativa procedência se ela
(autoridade) não estiver em hierarquia direta com o servidor subordinado.
Vamos citar dois casos em que se entende
implícita responsabilidade civil ou criminal solidária ou subsidiária do
mandatário máximo na Administração Pública. Em nível municipal, por exemplo, se
um Prefeito vai sancionar uma lei concedendo uma “redução da base de cálculo”
ou “isenção” (renúncia de receita) a uma categoria profissional ou segmento de
atividade (tratamento diferenciado)[1],
deve ele se ater rigorosamente aos preceitos constitucionais e/ou das leis
maiores[2],
mediante o assessoramento de sua Procuradoria Fiscal (ou Geral). A primeira
vista, quando nos referimos a “renúncia de receita” ou “benefícios fiscais”
como é o caso do exemplo acima, todos tendem a aplaudir sob a alegação de a
“carga tributária” é muito pesada em nosso país. É verdade! Mas seu “peso” é
cada vez maior porque ele (o peso) recai sempre aos que pagam. Este, porém, não
é o aspecto que quero colocar, pois já esgotei este enfoque nos meus vários
artigos. O enfoque pertinente é de que nos municípios, por exemplo, a receita dos
tributos (IPTU, ISS, ITBI, Taxas e repasse do ICMS), tem sua arrecadação cada
vez menor. E isso ameaça as “metas fiscais” orçamentárias para atender à
educação, à saúde, o saneamento básico etc. Qualquer benefício fiscal com perda
de receita exige a sua respectiva compensação e não cabe com o “refinanciamento
fiscal” (Refis) ou “combate à sonegação” nos termos da lei[3],
vez que são receitas já estimadas em exercícios anteriores. Se a citada
“renúncia fiscal” foi concedia sem atender aos requisitos da LRF[4] a
quem cabe à responsabilidade? É claro que é dos dois, ou seja, do Procurador
que deu o parecer favorável à concessão e do Prefeito que sancionou a lei.
No âmbito federal o evento mais
escandaloso dos últimos tempos dessa espécie foi o estampado nas primeiras
páginas dos jornais cognominado como “caso Cacciola” dos Bancos Marka e
FonteCidam que redundou num prejuízo de R$ 1,6 (um bilhão e seiscentos milhões)
de reais ao país (leia-se no bolso do contribuinte).
Todavia, as medidas legais que não
avançaram, desde os inquéritos da Polícia Federal, oitiva de testemunhas
oculares e formação de provas documentais, estão a indicar um forte
comprometimento de outros servidores públicos de alto escalão, incluindo o
superior imediato do Presidente do Banco Central da época, qual seja o próprio
Ministro da Fazenda[5].
Existem três leis para estes casos no
país, a da “improbidade administrativa” (LIA), a lei do “colarinho branco” e a
última sancionada em maio de 2.000,
a da Responsabilidade Fiscal (LRF). Parece que pouca
gente até agora foi “preso”! Será que estas leis vieram mesmo para serem
aplicadas ? Está difícil acreditar nas “autoridades” deste país!
*
Ivan Veronesi de
Jesus é Administrador Público, pós-graduado na mesma área, tributarista, auditor-fiscal de tributos aposentado e professor.
[1] Ver artigo 150,
inciso II, da CF/88.
[2] Ver artigo 14 da Lei
de Responsabilidade Fiscal – LRF (LC 101/00).
[3] Ver “Comentários à
LRF” de Carlos Maurício Figueiredo e outros, 2001, Ed. RT, págs. 100/101.
[4] Ver também artigo 10
“caput” e inciso VII da LIA (Lei de Improbidade Administrativa – nº 8429/92)
[5] Ver matéria “
CACCIOLA DIZ QUE BC TINHA ESQUEMA DE CORRUPÇÃO” em “O Estadão” ou “www.estadao.com.br, Fl. Economia (sexta
feira), 19/11/2004 , às 08h11.
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