Qualquer organização precisa de recursos de forma cada vez mais crescente proporcional às necessidades de sua demanda. Se for uma organização privada, a necessidade de crescer dispara a demanda por custos, ou seja, de pessoal, materiais e insumos, encargos financeiros e tributários e gastos gerais, cujas atividades exigem um planejamento estratégico operacional para a sintonia entre a receita, custos totais e lucro. Não arrecadar receitas sonegadas em sintonia com a potencialidade dos Estados e municípios é tão ou mais grave do que os desvios de recursos financeiros já ingressados. No segundo caso se identifica com razoável facilidade os responsáveis pelos crimes; no segundo, os responsáveis estão disseminados por todo território nacional e aumentam de forma assustadora, já que o Estado não tem interesse e é impotente para combatê-los. No caso dos Serviços Públicos, o Estado precisa de recursos cada vez mais crescentes para atender aos custos de saúde, educação, habitação, transportes, saneamento básico, infraestrutura, meio ambiente etc., face ao crescimento da população e da conseqüente demanda sócio-econômica. Um simples raciocínio para sabermos se os recursos financeiros de que dispõe o Estado são suficientes para suas necessidades basta compararmos estatisticamente o crescimento da população e das áreas metropolitanas com a receita necessária. Em relação ao nosso país, vamos ter uma bombástica surpresa, pois enquanto os recursos financeiros arrecadados crescem na proporção aritmética, a demanda por investimentos em projetos, obras públicas e as diversas necessidades sociais, em proporção geométrica. Há que se ressaltar que a política fiscal e tributária deveria ser o maior instrumento de distribuição da riqueza (renda) e do progresso regional, o que não acontece em nosso país desde os tempos imperiais. A propósito, na matéria publicada pela Folha de São Paulo de 29-04-00 (3º caderno – Cotidiano), bem demonstra este quadro desolador. Mesmo nas regiões mais prósperas do país, onde as atividades secundárias e terciárias são mais avançadas, 1% dos mais ricos e 50% dos mais pobres levam, respectivamente, 12,6% e 14,6% (sudeste) e 15,0% e 12,8% (sul) da renda nacional. Isto quer dizer que neste país do “futuro” (longínquo?) um rico ganhava naquele ano o mesmo que “cinqüenta pobres” ou sua seja a renda deste era de R$ 2.477,61 (19,06 SM) e a daquele de R$ 125,04 (ou 0,98 SM). A principal e legítima fonte de recursos financeiros do Estado, ou seja, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, é a arrecadação de tributos, isto é, dos impostos, taxas, contribuição sociais e de melhoria. Mas os dirigentes de nossa Federação parecem não estar preocupados com a Reforma Tributária, pois o Ajuste Fiscal (entenda-se aumento de tributos, redução de custos na forma de cortes orçamentários etc.) supre temporariamente a preocupação com o “déficit primário”. Desta feita, as duas que passaram a ser prioridades foram as da administração do Estado e da Previdência Social; a primeira com cortes na área social, congelamento de salários e eliminação de conquistas trabalhistas, privatizações e concessões ruinosas, terceirização de mão-de-obra etc.; a segunda, com maior ênfase sob a alegação de que seria a saída para o equilíbrio do “déficit” previdenciário. Certamente, as causas do “déficit” da Previdência Social têm razões estruturais mais profundas. Evidentemente, que não é apenas o “déficit” de apenas um Ministério de cunho social, com receita própria, que poderia desestabilizar as finanças de nosso país. Quem conhece administração pública sabe muito bem que os problemas daquele Ministério não residem somente na concepção da relação receita/despesa. O anacronismo e ineficácia da estrutura funcional e operacional foram adredemente preparada para induzir a população apoiar sua privatização. Os desvios de recursos financeiros (uns transparentes outros não) que nossa Previdência Social estatal sofreu ao longo de décadas desde sua criação é uma prova deste desiderato. Os que se lembram dos antigos IAPs (Institutos Federais de Previdência e Assistência), tem certeza disto! No entanto, eu pergunto, como é que os serviços de assistência previdenciária e de saúde na Comunidade Européia são, na sua totalidade, estatal e de ótima qualidade? Existe algum milagre, claro que não! Os componentes são apenas eficiência, eficácia e decência no trato da “coisa pública” que é ônus de todo cidadão. A população brasileira não deve desconhecer de que é a União, através da Receita Federal, o âmbito que dispõe de uma estrutura um pouco mais eficiente, porém não muito eficaz para combater a sonegação de tributos. Os estados, com raras exceções e a totalidade dos municípios, tributam, fiscalizam e arrecadam muito mal e quase sempre de forma incorreta e injusta. Na maioria dos municípios brasileiros a arrecadação do ISS (tributação de natureza econômica) que deveria ser compatível ou maior do que a do IPTU (tributação da propriedade) é extremamente menor ou quase insignificante. Segundo um experiente jornalista econômico da Folha de São Paulo existem municípios que não chegam a arrecadar R$ 2,00 (dois reais) por habitante/ano de ISS (Ver Caderno 2 – Dinheiro, de 8/11/98). Por isto vemos muitos prefeitos que em vez de arrecadar justa e corretamente seus tributos próprios, ficam, entre outros, subtraindo parte dos recursos do Fundef para pagar encargos ligados à folha de salários. Ora, o dinheiro do Fundef, segundo a lei que o criou, é para o apoio e desenvolvimento do ensino e não para atender “despesas correntes” relativas a encargos de servidores, cuja rubrica deve ser atendida com recursos comuns da gestão orçamentária. Em matéria de arrecadação, é bom que se lembre que o Estado é comparado a um grande “condomínio” e por isto todos têm de pagar para que se cobre menos de cada um. Ora, se a arrecadação de tributos que é a principal fonte de recursos próprios e saudáveis do Poder Público e esta vai minguando ao longo dos anos, o que fazer para suprir as necessidades que crescem assustadoramente? A única maneira de conseguir um fluxo maior de recursos provenientes da arrecadação de tributos é sem dúvida o alargamento da base tributária, isto é, fazer com que todo contribuinte, sem exceção, pague seus tributos corretamente, respeitados os princípios da capacidade contributiva e o não confisco previstos na Constituição Federal. Para atingir este objetivo, no entanto, o Estado precisa possuir uma estrutura organizacional e operacional eficiente e eficaz. Evidentemente que ele (o Estado) não conseguirá isto por Decreto ou medidas de Gabinete. Quem sentiu “na carne” o aumento do imposto de renda de 25% para 27,5% e da CPMF de 0,20% para 0,38% através de seus “holerites” ou em sua conta corrente bancária, sem seu próprio consentimento ou participação, sabe bem o que isto significa. Não se pode também confundir também o propalado “Ajuste Fiscal” e a “Reforma Tributária”. No primeiro, o Governo Federal consegue com medidas legislativas, mecanismos contábeis e orçamentário (contabilidade pública e nacional) o objetivo que deseja, ou seja, aumenta uma alíquota aqui outra ali; cria um imposto lá outro cá; elimina uma dotação orçamentária de despesa ali outra aqui; pára a execução de um projeto cá outro lá; projeta a dívida de alguns Estados cá; retroaje a de outros lá e assim faz também com os municípios: pronto! Elaborou-se a mágica! Está feito o “ajuste” e conseguido o “superávit primário”. Que milagre! Tudo em gabinete! Na segunda, aí sim é que a coisa pega! Reforma Tributária exige trabalho de consenso, pesquisa, entendimento com Estados e Municípios; análise de caso a caso de cada tributo ao longo de sua história operacional com suas repercussões econômico-financeiras entre os entes federados; natureza dos tributos, seu alcance e peso na cadeia produtiva; uniformização de leis e regulamentos do imposto de valor agregado (IVA); implementação e regulamentação de mecanismos de controle operacional e a mais importante: uma infra-estrutura material e de pessoal a altura para o comando e gestão na busca de suas metas: a eficiência e eficácia. A Reforma por ser politicamente mais difícil e ferir “interesses setoriais e de entes federados”, “empurram com a barriga” e de preferência não iniciam e nem concluem em ano eleitoral, como no corrente. Sendo assim, para que haja um consenso urge que todos os chefes de Poderes Executivos, desde o Presidente da República, governadores de estados e prefeitos municipais em sintonia com a sociedade se conscientizem definitivamente quanto a seguinte realidade: 1) Que todas as nações em desenvolvimento estão sentindo os efeitos da globalização perversa externa na economia interna, exigindo de cada uma maior e melhor desempenho (métodos e processos) no âmbito da iniciativa privada e por via de conseqüência na Administração Pública. 2) Que maior produtividade com redução de custos (incluindo os financeiros e tributários) é fator preponderante para a sobrevivência das atividades empresariais, em especial as voltadas para o mercado interno. 3) Que deve haver incentivo ao fomento das atividades de pequeno porte para seu crescimento até uma certa estrutura econômica, a partir do qual estas também passem contribuir ao Estado, pagando tributos corretamente como as empresas de tratamento normal. Incentivo ou benefícios fiscais com redução de impostos, jamais! Se a perda de receita for geral, esta prejudica o cumprimento das obrigações do Estado; se esta for setorial, a mesma afronta o princípio constitucional da “isonomia” (art. 150, II, da CF). Então, o quer fazer? Só uma reforma profunda, justa e abrangente para extirpar os males ao longo da história tributária deste país. Desde a grande reforma de 1965 promovida pela Emenda 18 daquele ano, quando a carga tributária correspondia a 25% do PIB (hoje em quase 40%), o Estado brasileiro só vem conseguindo aumentar a arrecadação de tributos via mecanismos legislativos. 4) Que sabemos existir um jogo de “empurra” entre consumidores (os verdadeiros contribuintes), o fisco e os empresários. Realmente a “carga tributária” está cada vez mais pesada, pois o Estado se obriga a aumentar sempre aos contribuintes que pagam corretamente, enquanto que muitos nada ou pouco pagam e ainda muitos ficam na informalidade. A verdade é que não existe a tão decantada “responsabilidade social”. Se todo consumidor cumprisse sua obrigação social exigindo nota/cupom fiscal com destaque do tributo pago e o empresário não se locupletasse com a parte devida ao Estado (enriquecimento ilícito), tenho certeza de que “carga” tributária seria mais amena; não haveria necessidade de tanta fiscalização e certamente cada um pagaria menos. 5) Que o Estado deve otimizar a administração de seus recursos financeiros, em especial os oriundos da arrecadação de tributos, para evitar a busca de mais recursos de outras fontes (empréstimos, AROs, emissões de títulos etc.), comprometendo ainda mais sua capacidade de individamento. 6) Que os Municípios brasileiros são os que mais sofrem pela falta de uma estrutura competente, dinâmica e eficaz para a cobrança correta de seus tributos próprios e combate à sua sonegação . De igual forma também precisam assessorar os estados para a correta fiscalização e coleta das Declarações Fisco-Contábeis (DFCs) do ICMS dentro do prazo, documento básico e de fundamental importância para que os repasses constitucionais do ICMS (valor adicionado) arrecadado sejam feitos tempestivamente. 7) Que o Estado brasileiro não tem controle sobre seus gastos porque não possui um projeto permanente de Estrutura e Administração de Custos para saber quanto cada área precisa gastar e monitorar o acompanhamento destes dispêndios e sua aplicação e, ainda, avaliar se os mesmos são compatíveis com seu retorno (custo/benefício). 8) Que os profissionais ligados à área contábil e de administração empresarial, sob pena de cumplicidade (CC arts 1.177 e 1.178), sejam os primeiros a levar junto aos contribuintes uma mudança de mentalidade, da qual serão eles os próprios beneficiários. 9) Que o próprio contribuinte correto em suas obrigações tributárias que arca com o custo do Estado, acompanhe e fiscalize as atividades tributáveis de seus concidadãos oferecendo as denúncias que julguem necessárias. 10) Que a corrupção, os desvios e malversação de recursos, a sonegação e evasão de tributos, a informalidade desmesurada, a circulação livre de produtos “pirata”, as “ONGs. es OSCIPs” frias, manipuladas por “laranjas”, para o enriquecimento ilícito e “lavagens” de dinheiro e muitas outras formas criminosas de “sangria” de recursos deve merecer um projeto permanente de controle e repressão. Assim colocadas tais premissas, por outro lado, pensamos que o Estado para ter força moral na cobrança dos tributos precisa preservar os princípios de que deve cobrar de forma legal, eficaz, eqüitativa, proporcional e isonômica, e empregar os recursos de forma ainda mais rigorosa e produtiva, ou seja, com critérios absolutamente técnicos em primeiro plano, buscando permanentemente o controle, a otimização e a eficácia no alcance de seus objetivos. Sem isso, estou convencido que a administração financeira estatal continuará sendo um caos e os recursos financeiros serão sempre obtidos de forma não saudável e quase sempre injusta através de empréstimos, tributação mais elevada, criação de mais tributos, emissão de moeda, investimentos estrangeiros em desvantagens etc. e os contribuintes formais, que sempre pagam (corretamente ou não), continuarão sendo as vítimas de pesados e crescentes ônus tributários. Em conclusão, a ênfase que dou quando adjetivo o título desta matéria é a preocupação pela manutenção indefinida de três situações indesejáveis em relação ao contribuinte: a primeira é a de que os que realmente pagam tributos neste país são tidos como os “otários” de um governo injusto e incompetente; a segunda é a de que os que não pagam são “gigolôs” indiretos de uma massa que não reage (ou neoboba?); e a terceira é a de que os que pagam já estão no limite de seu cansaço e a qualquer momento podem passar para o outro lado.
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