Qualquer organização precisa de recursos de
forma cada vez mais crescente proporcional às necessidades de sua demanda. Se
for uma organização privada, a necessidade de crescer dispara a demanda por
custos, ou seja, de pessoal, materiais e insumos, encargos financeiros e
tributários e gastos gerais, cujas atividades exigem um planejamento
estratégico operacional para a sintonia entre a receita, custos totais e lucro.
Não arrecadar receitas sonegadas em sintonia com a potencialidade dos Estados e
municípios é tão ou mais grave do que os desvios de recursos financeiros já
ingressados. No segundo caso se identifica com razoável facilidade os
responsáveis pelos crimes; no segundo, os responsáveis estão disseminados por
todo território nacional e aumentam de forma assustadora, já que o Estado não
tem interesse e é impotente para combatê-los.
Com isso, os recursos que
deveriam ingressar aos cofres do Estado para fazer frente às obras e serviços,
mesmo os essenciais, são desviados de formas anônimas para campanhas
eleitorais, enriquecimento ilícito, lavagens de dinheiro, remessas para
paraísos fiscais, criação de grandes ONGs e OCIPS,
etc., causando “perdas extraordinárias”
ao Erário da Nação brasileira. E os setores especializados do governo
brasileiro sabem disso? Claro que sabem! Tanto que um dos maiores entrave será
mesmo uma Reforma Tributária profunda e séria. No caso dos Serviços Públicos, o
Estado precisa de recursos cada vez mais crescentes para atender aos custos de
saúde, educação, habitação, transportes, saneamento básico, infraestrutura,
meio ambiente etc., em face do crescimento da população e da consequente
demanda socioeconômica. Um simples raciocínio para sabermos se os recursos
financeiros de que dispõe o Estado são suficientes para suas necessidades basta
compararmos estatisticamente o crescimento da população e das áreas
metropolitanas com a receita necessária. Em relação ao nosso país vamos ter uma
bombástica surpresa, pois enquanto os recursos financeiros arrecadados crescem
na proporção aritmética, a demanda por investimentos em projetos, obras
públicas e as diversas necessidades sociais, em proporção geométrica. Há que se
ressaltar que a política fiscal e tributária deveria ser o maior instrumento de
distribuição da riqueza (renda) e do progresso regional, o que não acontece em
nosso país desde os tempos imperiais.
A propósito, na matéria publicada pela
Folha de São Paulo de 29-04-00
(3º caderno – Cotidiano), bem demonstra este quadro desolador. Mesmo nas
regiões mais prósperas do país, onde as atividades secundárias e terciárias são
mais avançadas, 1% dos mais ricos e 50% dos mais pobres levam, respectivamente,
12,6% e 14,6% (sudeste) e 15,0% e 12,8% (sul) da renda nacional. Isto quer
dizer que neste país do “futuro” (longínquo?) um rico ganhava naquele ano o
mesmo que “cinquenta pobres” ou seja a renda deste era de R$ 2.477,61 (19,06
SM) e a daquele de R$ 125,04 (ou 0,98 SM).
A
principal e legítima fonte de recursos financeiros do Estado, ou seja, da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, é a arrecadação de
tributos, isto é, dos impostos, taxas, contribuição sociais e de melhoria. São
poucos os municípios no país que arrecadam seus tributos próprios próximo de
sua potencialidade, razão porque a maioria subsiste com os repasses das
Transferências Constitucionais e voluntárias dos Estados e da União. Mas os
dirigentes de nossa Federação parecem não estar preocupados com a Reforma
Tributária, pois os Ajustes Fiscais (entenda-se aumento de tributos, redução de
custos na forma de cortes orçamentários, transposição de verbas orçamentárias,
etc.) supre temporariamente a preocupação com o “déficit primário”. Desta
feita, as duas que passaram a ser prioridades foram as da administração do
Estado e da Previdência Social; a primeira com cortes na área social,
congelamento de salários e eliminação de conquistas trabalhistas, privatizações
e concessões ruinosas, terceirização de mão-de-obra etc.; a segunda, com maior
ênfase sob a alegação de que seria a saída para o equilíbrio do “déficit”
previdenciário. Certamente, as causas do “déficit” da Previdência Social têm
razões estruturais mais profundas. Evidentemente, que não é apenas o “déficit”
de apenas um Ministério de cunho social, com receita própria, que poderia
desestabilizar as finanças de nosso país. Quem conhece administração pública
sabe muito bem que os problemas daquele Ministério não residem somente na
concepção da relação receita/despesa.
O anacronismo e ineficácia da estrutura
funcional e operacional foram adredemente preparada para induzir a população
apoiar sua privatização. Os desvios de recursos financeiros (uns transparentes
outros não) que nossa Previdência Social estatal sofreu ao longo de décadas
desde sua criação é uma prova deste desiderato. Os que se lembram dos antigos
IAPs (Institutos Federais de Previdência e Assistência), tem certeza disto! No entanto,
eu pergunto, como é que os serviços de assistência previdenciária e de saúde na
Comunidade Européia são, na sua totalidade, estatal e de ótima qualidade?
Existe algum milagre, claro que não! Cito os serviços de saúde na CE porque nos
EUA o público não existe e os privados são restritivos. Os componentes são
apenas eficiência, eficácia e decência no trato da “coisa pública” que é ônus
de todo cidadão. A população
brasileira não deve desconhecer de que é a União, através da Receita Federal, o
âmbito que dispõe de uma estrutura um pouco mais eficiente, porém não muito
eficaz para combater as fraudes e sonegação de tributos. Os estados, com raras
exceções e a totalidade dos municípios, tributam, fiscalizam e arrecadam muito
mal e quase sempre de forma incorreta e injusta. Na maioria dos municípios
brasileiros a arrecadação do ISS (tributação de natureza econômica) que deveria
ser compatível ou maior do que a do IPTU (tributação da propriedade) é
extremamente menor ou quase insignificante. Segundo um experiente jornalista
econômico da Folha de São Paulo dia que existe municípios que não chegam a
arrecadar R$ 2,00 (dois reais) por habitante/ano de ISS (Ver Caderno 2 –
Dinheiro, de 8/11/98). Por
isto vemos muitos prefeitos que em vez de arrecadar justa e corretamente seus
tributos próprios, ficam, entre outros, subtraindo parte dos recursos do Fundef
para pagar encargos ligados à folha de salários. Ora, o dinheiro do Fundef,
segundo a lei que o criou, é para o apoio e desenvolvimento do ensino e não
para atender “despesas correntes” relativas a encargos de servidores, cuja
rubrica deve ser atendida com recursos comuns da gestão orçamentária. Em
matéria de arrecadação, é bom que se lembre de que o Estado é comparado a um grande “condomínio” e por isto todos têm de
pagar para que se cobre menos de cada um. Ora, se a arrecadação de tributos
que é a principal fonte de recursos próprios e saudáveis do Poder Público e
esta vai minguando ao longo dos anos, o que fazer para suprir as necessidades
que crescem assustadoramente. A única maneira de conseguir um fluxo maior de
recursos provenientes da arrecadação de tributos é sem dúvida o alargamento da base tributária, isto
é, fazer com que todo contribuinte, sem exceção, pague seus tributos
corretamente, respeitados os princípios da capacidade contributiva e o
não confisco previstos na Constituição Federal. Para atingir este objetivo,
no entanto, o Estado precisa possuir uma estrutura organizacional e operacional
eficiente e eficaz. Evidentemente que ele (o Estado) não conseguirá isto por
Decreto ou medidas de Gabinete. Quem
sentiu “na carne” o aumento do imposto de renda de 25% para 27,5% e da CPMF de
0,20% para 0,38% através de seus “holerites” ou em sua conta corrente bancária,
sem seu próprio consentimento ou participação, sabe bem o que isto significa.
Não se pode também confundir também o propalado “Ajuste Fiscal” e a “Reforma
Tributária”. No primeiro, o Governo Federal consegue com medidas legislativas, mecanismos
contábeis e orçamentários (contabilidade pública e nacional) o objetivo que
deseja, ou seja, aumenta uma alíquota aqui outra ali; cria um imposto lá outro
cá; elimina uma dotação orçamentária de despesa ali outra aqui; pára a execução
de um projeto cá outro lá; projeta a dívida de alguns Estados cá; retroage a de
outros lá e assim faz também com os municípios: pronto! Elaborou-se a mágica!
Está feito o “ajuste” e conseguido o “superávit primário”. Que milagre! Tudo em
gabinete! Na segunda,
aí sim é que a coisa pega! Reforma Tributária exige trabalho de consenso,
pesquisa, entendimento com Estados e Municípios; análise de caso a caso de cada
tributo ao longo de sua história operacional com suas repercussões
econômico-financeiras entre os entes federados; natureza dos tributos, seu
alcance e peso na cadeia produtiva; uniformização de leis e regulamentos do
imposto de valor agregado (IVA); implementação e regulamentação de mecanismos
de controle operacional e a mais
importante: uma infraestrutura material e de pessoal a altura para o comando e
gestão na busca de suas metas: a
eficiência e eficácia. A Reforma por ser politicamente mais difícil e ferir
“interesses setoriais e de entes federados”, “empurram com a barriga” e de
preferência não iniciam e nem concluem em ano eleitoral, como no próximo. Sendo assim,
para que haja um consenso urge que todos os chefes de Poderes Executivos, desde
o Presidente da República, governadores de estados e prefeitos municipais em
sintonia com a sociedade se conscientizem definitivamente quanto a seguinte
realidade:
1) Que todas
as nações em desenvolvimento estão sentindo os efeitos da globalização perversa
externa na economia interna, exigindo de cada uma maior e melhor desempenho
(métodos e processos) no âmbito da iniciativa privada e por via de conseqüência
na Administração Pública.
2) Que maior
produtividade com redução de custos (incluindo os financeiros e tributários) é
fator preponderante para a sobrevivência das atividades empresariais, em
especial as voltadas para o mercado interno.
3) Que deve
haver incentivo ao fomento das atividades de pequeno porte para seu crescimento
até uma certa estrutura econômica, a partir do qual estas também passem
contribuir ao Estado, pagando tributos corretamente como as empresas de
tratamento normal. Incentivo ou benefícios fiscais com redução de impostos,
jamais! Se a perda de receita for geral, esta prejudica o cumprimento das
obrigações do Estado; se esta for setorial, a mesma afronta o princípio
constitucional da “isonomia” (art. 150, II, da CF). Então, o quer fazer? Só uma
reforma profunda, justa e abrangente para extirpar os males ao longo da
história tributária deste país. Desde a grande reforma de 1965 promovida pela
Emenda 18 daquele ano, quando a carga tributária correspondia a 25% do PIB
(hoje em quase 40%), o Estado brasileiro só vem conseguindo aumentar a
arrecadação de tributos via mecanismos legislativos.
4) Que
sabemos existir um jogo de “empurra” entre consumidores (os verdadeiros
contribuintes), o fisco e os empresários. Realmente a “carga tributária” está
cada vez mais pesada, pois o Estado se obriga a aumentar sempre aos
contribuintes que pagam corretamente, enquanto que muitos nada ou pouco pagam e
ainda muitos ficam na informalidade. A verdade é que não existe a tão decantada
“responsabilidade social”. Se todo consumidor cumprisse sua obrigação social
exigindo nota/cupom fiscal com destaque
do tributo pago e o empresário não se locupletasse com a parte devida ao
Estado (enriquecimento ilícito), tenho certeza de que “carga” tributária seria
mais amena; não haveria necessidade de tanta fiscalização e certamente cada um
pagaria menos.
5) Que o
Estado deve otimizar a administração de seus recursos financeiros, em especial
os oriundos da arrecadação de tributos, para evitar a busca de mais recursos de
outras fontes (empréstimos, AROs, emissões de títulos etc.), comprometendo
ainda mais sua capacidade de endividamento.
6) Que os
Municípios brasileiros são os que mais sofrem pela falta de uma estrutura
competente, dinâmica e eficaz para a cobrança correta de seus tributos próprios
e combate à sua sonegação.
De igual forma também precisam assessorar os estados para a correta
fiscalização e coleta das Declarações Fisco-Contábeis (DFCs) do ICMS dentro do
prazo, documento básico e de fundamental importância para que os repasses
constitucionais do ICMS (valor adicionado) arrecadado sejam feitos
tempestivamente.
7) Que o
Estado brasileiro não tem controle sobre seus gastos porque não possui um
projeto permanente de Estrutura e Administração de Custos para saber quanto
cada área precisa gastar e monitorar o acompanhamento destes dispêndios e sua
aplicação e, ainda, avaliar se os mesmos são compatíveis com seu retorno
(custo/benefício).
8) Que os
profissionais ligados à área contábil e de administração empresarial, sob pena
de cumplicidade (CC arts 1.177 e 1.178), sejam os primeiros a levar junto aos
contribuintes uma mudança de mentalidade, da qual serão eles os próprios
beneficiários.
9) Que o próprio contribuinte
correto em suas obrigações tributárias que arca com o custo do Estado,
acompanhe e fiscalize as atividades tributáveis de seus concidadãos oferecendo
as denúncias que julguem necessárias.
10) Que as administrações municipais
precisam de permanente assistência técnica e financeira, todavia sem
assistencialismos, paternalismos e preferências discriminatórias, mas exigindo
que povo escolha seus mandatários e agentes políticos
por competência, excepcional saber e preparo acadêmico específico à área, em
especial quanto à Administração Tributária, cujos responsáveis na sua maioria
são escolhidos por critérios políticos e/ou compadrio. É notório que a maioria
dos municípios brasileiros são mal administrados, já que não otimizam e
racionalizam as despesas, bem como arrecadam suas receitas por espontaneidade,
isto é, por não possuir adredemente uma estrutura técnico/ profissionalizada de
sua área de tributação e fiscalização em face da proximidade do Poder Tributante
e de seus contribuintes.
11) Que a corrupção, os desvios e
malversação de recursos, a sonegação e evasão de tributos, a informalidade
desmesurada, a circulação livre de produtos “pirata”, as “ONGs. es OSCIPs” frias,
manipuladas por “laranjas”, para o enriquecimento ilícito e “lavagens” de
dinheiro e muitas outras formas criminosas de “sangria” de recursos deve
merecer um projeto permanente de controle e repressão de “larga envergadura”.
Assim colocadas
tais premissas, por outro lado, pensamos que o Estado para ter força moral na
cobrança dos tributos precisa preservar os princípios de que deve cobrar de
forma legal, eficaz, equitativa, proporcional e isonômica, e empregar os
recursos de forma ainda mais rigorosa e produtiva, ou seja, com critérios
absolutamente técnicos em primeiro plano, buscando permanentemente o controle,
a otimização e a eficácia no alcance de seus objetivos.
Sem isso, estou
convencido que a administração financeira estatal continuará sendo um caos e os
recursos financeiros serão sempre obtidos de forma não saudável e quase sempre
injusta através de empréstimos, tributação
mais elevada, criação de mais tributos, emissão de moeda, investimentos
estrangeiros em vantagens com os nacionais, etc. e os contribuintes formais,
que sempre pagam (corretamente ou não), continuarão sendo as vítimas de pesados
e crescentes ônus tributários.
Em conclusão, a ênfase que dou quando adjetivo o título
desta matéria é a preocupação pela manutenção indefinida de três situações
indesejáveis em relação ao contribuinte: a primeira é a de que os que realmente
pagam tributos neste país são tidos como os “otários” de um governo injusto e
incompetente; a segunda é a de que os que não pagam são “gigolôs” indiretos de
uma massa que não reage (ou neoboba?); e a terceira é a de que os que pagam já
estão no limite de seu cansaço e a qualquer momento podem passar para o outro
lado.
* O articulista é
tributarista, auditor fiscal aposentado, administrador, pós-graduado em
Administração Pública e professor.