domingo, 1 de agosto de 2010

A VERDADE PRECISA SER DITA A QUALQUER CUSTO...

"É fácil dar prejuizo aos outros, o difícil é saber quem vai pagar a conta". Será que o mundo já esqueceu o mega escandalo econômico provocado pelos EUA. (Veronesi)
Tribuna da Imprensa, 19/09/08

A lambança e o remédio - Argemiro Ferreira

O jornalista e escritor James Moore, autor de pelo menos três livros sobre o incrível George W. Bush e seu marqueteiro sem escrúpulos Karl Rove, conhece muito bem a versão republicana de capitalismo. "Eles são socialistas", diz Moore. "Desregulamentam tudo, mas quando chega o resultado do que fizeram, como agora, querem socializar as perdas: mandam a conta para o contribuinte".
Segundo as estimativas até agora (o total da conta continua a se elevar a cada dia), para socorrer as lambanças bilionárias do Bear Stearns, da AIG e dos gêmeos Freddie Mac e Fannie Mae, serão necessários uns US$ 600 bilhões. Talvez por isso Moore fica muito irritado quando ouve alguém sugerir que a atual desintegração econômica é uma mixórdia "muito complexa".
"Não é", responde ele. "Nossa crise financeira nacional pode ser perfeitamente compreendida por qualquer um que já tenha visto ganância e hipocrisia. Mas a diferença é que agora estamos testemunhando ganância e hipocrisia numa escala profunda e monumental". A conclusão final dele é ainda mais melancólica. "Esta é uma nação de idiotas da aldeia", afirmou, referindo-se aos EUA.
Moore lembra que os conservadores republicanos sempre rejeitaram intromissão do governo nos mercados e na atividade privada. Exigem redução do tamanho do estado e nada de regulamentações. Querem que os homens de negócio ganhem o máximo de dinheiro possível. Mas quando a ganância deles cria trapalhadas, exigem leis e regulamentos - e o dinheiro do contribuinte, para salvar os negócios deles.
Para o jornalista, o que o governo Bush está fazendo agora, mais uma vez, é socializar a dívida monumental de alguns gigantes de Wall Street. Os contribuintes não foram chamados a desfrutar uma parte, mínima que seja, de lucros bilionários forjados por instrumentos financeiros fraudulentos como os derivativos ou as montanhas de hipotecas sub-prime. Por que convocá-los para pagar a conta?
O socorro à AIG - gigante de seguros, ameaçada de virar anã - equivale a US$ 85 bilhões, segundo foi anunciado. Esse total é superior ao que o governo Bush gastou, durante oito anos, na ajuda a famílias com crianças dependentes. Isso também pagaria pela assistência à saúde de todos os homens, mulheres e crianças do país durante pelo menos seis meses.
Ao expor tais dados comparativos escandalosos, Moore se perguntou como o país chegou a tal disparate. E citou um personagem emblemático do partido de Bush e John McCain - Phil Gramm, texano e ex-colega de McCain no Senado. Dias depois da Suprema Corte decidir instalar Bush na Casa Branca, Gramm enfiou na lei orçamentária algo chamado Commodity Futures Modernization Act.
Objetivo do pacote de 262 páginas: impedir agências reguladoras de controlar novos instrumentos financeiros descritos como "swaps" (trocas) de crédito. São instrumentos como hipotecas sub-prime, empacotadas e vendidas como ações. Pela lei de Gramm, nem a SEC, reguladora do mercado de ações, nem a CFTC (Commodities Futures Trading Commission), de commodities, podem fiscalizar instituições financeiras como fundos "hedge" ou bancos de investimento, para assegurar que tinham ativos suficientes para cobrir as perdas que estavam garantindo.
O mercado para esses instrumentos financeiros sofisticados é estimado em US$ 60 trilhões por ano, quase quatro vezes todo o mercado de ações dos EUA. Gramm queria tudo isso completamente sem regulamentação. E não criou tal mundo de conto de fadas apenas para Wall Street. Um dispositivo de sua lei impedia ainda a regulamentação dos mercados de venda de energia, favorecendo as fraudes da Enron.
No Texas, a casa dos Gramm não podia estar melhor. Wendy Gramm, mulher de Phil, que tinha antes presidido a reguladora CFTC, ganhou emprego no conselho da Enron, que lhe rendia quase US$ 2 milhões/ano. Prêmio justo: tinha conseguido uma decisão pela qual o governo federal não fiscalizava contratos futuros de energia da Enron.
O que fazer com os lambões
Para Moore, se McCain chegar à Casa Branca Phil Gramm é candidato natural a secretário do Tesouro. Na era Reagan os dois estavam juntos na crise S&Ls (poupança e empréstimo), quando a conta de US$ 1,4 trilhão, após o colapso de 747 firmas, também sobrou para o contribuinte. O motivo tinha sido o mesmo. O personagem central, Charles Keating, dono da Lincoln Savings, era amigo de McCain.
O atual candidato presidencial, com a mulher Cindy e a babá, fizeram nada menos de nove viagens no jato privado de Keating às Bahamas, hospedando-se no "resort" do amigo. Agora, advertiu Moore, "os republicanos que engendraram a atual crise e que na da década de 1980 nos enfiaram na lambança S&Ls, alegam que os mercados precisam de regulamentação".
Moore discorda. Acha que é hora da não intromissão do governo - de deixar que as empresas e os homens de negócios que criaram a lambança sejam esmagados sob o peso da própria estupidez. E quando estiver tudo terminado, "teremos gente sensata e decente para criar leis capazes de garantir que a coisa não aconteça uma vez mais - na hipótese de sobrevivermos ao caos".

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